quarta-feira, 20 de julho de 2011

Um apelo emocionado

A comunidade sorocabana está empenhada em uma luta sem precedentes contra o uso de linhas cortantes, conhecidas popularmente como cerol, por crianças e adolescentes que soltam pipas pelos bairros da cidade. Campanhas nos meios de comunicação, fiscalização constante nas ruas, apreensão de materiais, multas pesadíssimas para os pais e responsáveis pelos jovens integram uma cadeia de iniciativas que podem diminuir a incidência dessa prática, se não pela força do convencimento, ao menos pela redução das oportunidades e dos meios ao alcance desse público.

Essa, no entanto, é uma tarefa muito importante para ficar restrita apenas ao âmbito do poder público e da imprensa. No esforço para erradicar esse hábito perigoso, toda a comunidade deve assumir sua cota de responsabilidade e, dentro do que for possível a cada um, orientar e vigiar. A periferia de Sorocaba é imensa e, mesmo que houvesse milhares de fiscais, seria impossível coibir o uso de linha cortante apenas pela via repressiva. Assim como outros problemas recorrentes, o cerol pode dar origem a um jogo de gato e rato entre os jovens e a fiscalização.

O contexto informativo em que as multas e apreensões se processam é até mais importante. E, quanto a isso, deve-se registrar que a campanha publicitária assinada pela Secretaria de Segurança Comunitária da Prefeitura de Sorocaba é irretocável. Numa das peças, publicada na edição de 16/7 deste jornal (pág. A8), os pais da jovem Évelin Aparecida de Araújo Sales, Benedito e Eva, lembram o acidente que tirou a vida da filha, ao passar de moto por uma linha com cerol estendida sobre a Rodovia Raposo Tavares, em julho de 2008.

O apelo destes pais aos outros pais, para que proíbam o uso de cerol pelos filhos, convence mais do que muitos argumentos. Évelin tinha 23 anos quando sofreu o acidente. Podia ser a irmã, a tia, a filha de qualquer um. Era uma moça esforçada, que trabalhava há um ano e meio como auxiliar de produção em uma indústria de Brigadeiro Tobias. Seu falecimento provocou inconformismo na cidade, pela maneira brutal como o instrumento da tragédia, uma linha caída sobre a rodovia, estendeu-se sobre seu caminho e interrompeu sua vida, irremediavelmente.

Embora seja doloroso para a família, relembrar casos trágicos como esse é importante. Antes de Évelin, segundo recordou este jornal no dia seguinte ao acidente, duas outras ocorrências fatais envolvendo motociclistas tinham sido registradas na cidade, em 1997 e 2002. Em todas elas, as pessoas feridas morreram em poucos minutos, sem que houvesse tempo de socorrê-las. Foi no clima de emoção causado pela morte de Évelin que a lei nº 8.471, proibindo o uso do cerol e fixando multas a quem utilizá-lo (ou aos responsáveis), foi regulamentada.

A simples lembrança desses casos deveria ser suficiente para inspirar, aos pais, mais cuidado quanto às brincadeiras dos filhos, que, além de arriscar a vida de terceiros, também se expõem ao perigo quando escolhem empinar pipas nas ruas, em vez de campos de futebol, parques e outros lugares seguros. A interação das linhas das pipas com a fiação elétrica da cidade é tão frequente que, segundo a concessionária de energia elétrica, até 20% dos cortes de energia são causados por pipas. Em certas circunstâncias, a criança corre risco de ser eletrocutada.

Um problema de tais proporções não pode ficar exclusivamente nas mãos da Prefeitura ou da Guarda Civil Municipal, nem do Conselho Tutelar ou de qualquer outra instituição ou autoridade. Por mais que a fiscalização e o número de multas aplicadas possa sugerir que a situação está sob controle, a segurança verdadeira só virá quando toda a população assumir o compromisso de vigiar e prevenir situações de risco. A responsabilidade é de todos.

Notícia publicada na edição de 20/07/2011 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno A.